(Breve conto escrito num celular entre Joinville e Curitiba)
Quanto mais o ônibus se aproximava da morraria, mais intensos os clarões dos relâmpagos.
E eles pulsavam no breu da noite, sem aviso, sem ritmo ou compasso. Impossível adivinhar o intervalo entre o último e o próximo – este que já caiu. E eles continuaram riscando a anágua preta da noite, lá longe, no sopé da montanha.
De súbito, um estrondo. O raio rompeu a janela do ônibus deixando passar a chuva de granizo e uma pedra caída sobre a poltrona, felizmente vazia, ao lado do homem. Enrolada nela um papel amarfanhado e agora mais molhado ainda com a chuva que passava pelo buraco na vidraça. Mesmo assim era possível ler a grafia borrada, em azul:
__ Se não me amas, por que não me esqueces?
Ficou o homem pensando, curvas e curvas estrada afora, até que num impulso louco se atirou pelo buraco da janela, no exato momento em que o ônibus passava sobre uma ponte, vindo a cair no vazio.
Três macacos se assustaram com aquele turbilhão de estrondos, e muitos galhos crepitando como se fora um incêndio violento e não um aguaceiro que já caia há algum tempo. Depois de galhos e folhagens que primeiro chegaram ao solo, chegou o corpo do homem.
Depois de alguns segundos de desconfiança, os macacos se aproximaram e foram tentando cheirar o corpo, com seus focinhos compridos, mexendo nos braços do homem para se certificar se ainda estava vivo. Ao constatar estarem definitivamente diante de um morto, começaram com dentes ágeis a dilacerar o corpo do homem.
Não demorou cinco dentadas para que a macaca grunhisse para o macaco mais velho, afirmando: Gruuuhhhh!!!! Argruunnnnhh asfgrgrggr!!! (e que rapidamente pudemos traduzir em – "seres humanos apaixonados têm melhores gosto e fragrância").
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Um comentário:
Sou suspeita para comentar. Fazem 24 anos que leio quase tudo que você escreve. Gostei muito
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