a segunda dose de uísque, é sempre melhor que a primeira e as outras.
eu estava nela. absorto.
tamborilava com dois dedos a borda do copo suado, olhando as pequenas quedas das pedras de gelo que lentamente derretiam. sentia-me àquilo.
“olá!? posso sentar-me com você?” levantei os olhos com preguiça “é que o restaurante está cheio e pensei que...” eu estava de saco cheio, cansado, irritado por que tinha que definir uma situação e definir é sempre uma merda. “como queira” “atrapalho? está aguardando alguém?” “ porque as pessoas são assim? você mal chegou e já quer saber da minha vida, porra!” “desculpe, não tive a intenção de...” “e assim também! quando percebem que erraram, recuam, se arrastando em cima de uma falsa humildade! é repugnante!”
era uma sexta-feira e a semana havia sido a pior de todas. tudo errado.
o clima paulista, cinzento, depressivo, morno e gosmento.
eu estava disposto a deixar S. Paulo, depois de dois anos de trabalho naquele inferno e sem ter um espaço exclusivo.
ora me hospedava no apartamento do Lidio, amigo e compadre, ora nos das amantes.
com elas, já sabia, seriam dois, três meses e viriam as reclamações e cobranças “você chega muito tarde!” “ nos finais de semana eu não existo!” “onde vais?” “ me acorda de madrugada, bêbado, pra foder!” enchia o saco.
voltava para o apartamento do compadre.
na manhã daquela sexta-feira, andei em círculos pelo centro da cidade, buscando uma saída. ainda procurava quando entrei no Filé do Morais, na São João, para tomar alguma coisa; coisa? coisa nada, uísque.
assim estava, quando chegou aquela sem-mesa.
“puta que o pariu você é intratável! está de mal com o mundo é?...pouco me importa! vou almoçar e ir embora! você que vá para o inferno com esse mau humor! nem te conheço!”
o gelo derretia e eu junto.
olhei de soslaio, notei que não era feia. é um bom começo.
mas minha libido estava à zero.
“escute aqui sua charope duma figa! você entrou, pediu para sentar, eu permiti. o que tinhas que fazer? hein? hein? heeeeeein? não sabes? eu respondo, tinhas que almoçar e dar o fora, porra! não tinhas que perguntar nada, não tinhas que querer saber de nada, porra! se atrapalhasse ou estivesse esperando alguém não permitiria, entendeu? entendeeeeeeeu? merda!” porque gesticulava muito, bati com a mão no copo de uísque que voou para o chão, espatifando-se.
como sempre, todos aqueles olhares escandalizados, censores, como se nenhum daqueles filhos da puta tivessem quebrado um copo alguma vez.
“hipócritas! a humanidade apodrece diariamente e eu sem forças vou de arrasto”.
ela pegou a bolsa e levantou-se. os olhos choravam.
levantei, e antes que se afastasse da mesa, tomei-a pelo braço e disse gritando “não pense que você vai chegar aqui como um vendaval, arrasar com tudo e ir embora, não! vai sentar aí e vamos resolver toda essa merda!”
sentou-se aos soluços.
eu sou uma bosta. não posso ver mulher chorar.
“garçom! dois filés antes do ponto e muito agrião”.
fodemos o resto da tarde no apartamento dela. "não vá meu amor!”
não fui. por três meses.
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