domingo, 28 de outubro de 2007

CONSILÊNCIA - por janos biro

Resenha crítica do livro "Consilência" de Edward O. Wilson





Consilência é o termo usado por Edward O. Wilson para se referir a uma suposta unidade do conhecimento. Tal unidade do conhecimento, que é a conexão de todas as ciências, seria a única forma de continuar o progresso da ciência. Wilson é uma pessoa que acredita fielmente na ciência, e que não se considera reducionista. Sua proposta, segundo ele mesmo, não é reduzir as ciências a uma unidade comum, mas fazer uma síntese. Essa síntese partiria da matemática, passando pela física, química, biologia e finalmente chegando à sociologia e demais ciências humanas. Elas seriam como degraus numa escada, uma completando a outra, com novas disciplinas servindo de pontes. Não quer dizer que o cientista precisa saber tudo, mas que ele precisará saber como encaixar seu conhecimento dentro da síntese do conhecimento. A filosofia deverá se aproximar da ciência se quiser sobreviver à "nova ordem mundial" do conhecimento humano.O que Wilson faz é usar uma abordagem holista para justificar sua visão de mundo, uma visão onde a raiz de todo conhecimento é a matemática, e todas as ciências deveriam se submeter à análise lógica e objetiva. Ele faz isso com a desculpa de salvar a educação liberal e o meio-ambiente. Os problemas sociais e ecológicos têm ficado piores desde que começamos a ver o mundo como uma máquina, e o que Wilson propõe é uma nova alternativa para salvar a visão mecanicista, mostrando que a visão holista nem sempre vai de encontro ao paradigma cartesiano, mas ao contrário. Wilson é um defensor do iluminismo e do positivismo lógico. Para ele nunca deveríamos desistir de encontrar a estrutura lógica que explique todas as coisas do mundo. As fronteiras das disciplinas seriam por fim derrubadas, porque são convenções. Sem essas fronteiras, expandiríamos nosso conhecimento ao infinito. Mas essa união não pode ocorrer sem critério algum. Ou iremos usar um único padrão explicativo, cognitivo e epistemológico, ou iremos apenas aumentar canais de diálogo entre as disciplinas. É fácil concordar com a segunda opção, porém a idéia da interdisciplinaridade não depende do conceito de consilência, e se a proposta de Wilson é apenas essa então não há nada de surpreendente nela. Mas em alguns momentos Wilson parece comprometido com a primeira opção, com uma espécie de modelo definitivo para o conhecimento. Se levarmos em conta que a consilência não pode prever os resultados da cooperação entre as disciplinas, então a consilência é antes uma sugestão que uma teoria. Ela não pode dizer como as ciências irão se unir, pode apenas sugerir que a ciência pode avançar se essa cooperação ocorrer. Seria preciso um meta-conhecimento absoluto para saber como as disciplinas deveriam se encaixar. Mas não é qualquer síntese que Wilson está sugerindo, ele está tentando provar que encontrou a fórmula mágica para resolver o quebra-cabeça do conhecimento humano. Para Wilson o positivismo lógico só falhou porque não havia conhecimento do funcionamento do cérebro. O projeto teria sido bem sucedido se esses dados estivessem lá. Isso quer dizer, agora que temos esses dados, tudo que precisamos é fechar o vão: os genes criam o cérebro, que cria a consciência, que cria a cultura. É como se ele tivesse encontrado o elo-perdido que nos permite unir todas as coisas e seguir para uma nova era de razão e avanço científico. Empolgado com seu projeto, Wilson ignora alguns problemas filosóficos, superestima os resultados e subestima as dificuldades de tal pretensão. Wilson diz aceitar a potencialidade no lugar do determinismo, mas acredita que é possível prever regularidades com uma precisão cada vez maior, o que lhe dá esperança de um progresso científico rumo à inefabilidade. Ele nunca se pergunta se precisamos realmente disso, nem se questiona se não iremos repetir os erros do passado, criando ainda mais e piores problemas para tentar solucionar os atuais. Para ele, tudo que interessa é a síntese, ele não pensa nem por um momento nas implicações de um sistema de unificado do conhecimento. Wilson apresenta um holismo exagerado, unindo coisas que tem uma conexão muito tênue como se o poder de explicação delas continuasse significativo. É verdade que existem muitos problemas que podem ser resolvidos dessa forma, mas problemas simples podem se tornar complexos demais. A conexão entre biologia e sociologia, por exemplo, pode variar muito. Muitos detalhes de biologia que estão relacionados a assuntos da sociologia não precisam ser levados em consideração para se resolver um problema. Há uma a distinção entre a interação dos objetos de estudo e a interações das teorias. Uma coisa é subsumir a molécula aos átomos, e outra coisa é subsumir a química à física. Também não podemos esquecer que cada área, ainda que não tenha um objeto único, tem um ponto de vista único. Os conhecimentos de uma área, como a ecologia, podem ser usados economistas para justificar certa visão economicista. Enquanto a economia pode ser usada por ecólogos justificar o oposto. Não há como controlar isso. Há uma falsa aceitação da subjetividade. Wilson não aceita realmente a subjetividade nas ciências humanas. Ele só a aceita na medida em que ela possa ser explicada objetivamente. Ele aceita a consciência como uma questão científica apenas porque acredita que podemos descobrir seu funcionamento através da neurociência. Mas talvez a consciência não seja um mecanismo capaz de mapear a si mesmo. Quando tentamos fazer isso, inevitavelmente estaremos usando uma predefinição do que nós mesmos queremos descobrir. Wilson ignora esses problemas de circularidade, ele simplesmente considera que basta um pouco mais de avanço e vamos poder preencher todos os vãos. Isto faz da consilência, quando levada nesse sentido, nada mais que uma proposta metafísica ao estilo de Platão.

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