quarta-feira, 12 de setembro de 2007

A INTELECTUAL PELADA - conto de jb vidal








era uma fase em que passava o tempo disponível fechado em meu quarto lendo. lia muito. Altusser, Fernando Pessoa, Lênin, Álvares de Azevedo, Rosa de Luxemburgo, Castro Alves, Hegel, Mário Quintana, Goethe, Pedro Nava, Spinoza, García Lorca, Camus e outros, e outros. filósofos e poetas sempre me perseguiram. como fantasmas. quando entro nas livrarias, eles me chamam, me puxam pelo braço, quando me dou conta já tenho nas mãos um deles. alguns valeram a pena, outros, uma merda. aos treze anos já escrevia algumas poesias de cunho romântico e alguns textos cujo conteúdo tinham as cores da esperança.

para relaxar, ia até a sacada fumar um fininho refletindo sobre o que havia lido. leituras difíceis para um adolescente de dezesseis anos. sem ajuda para interpretar. no seco.

"aquela mulher está me olhando" observei durante uma longa tragada.

quem indicava a leitura? explico. eu morava em Porto Alegre, na Av. Borges de Medeiros no. 1042, décimo andar, apartamento 102, Edifício Império. eu e minha mãe, dona Silvia. no mesmo endereço, segundo andar, residia a mãe do Érico Veríssimo. conversamos algumas vezes, quando ele ia visitá-la. ao acaso. presenteou-me com algumas de suas obras.
porque os dados acima? não sei. que fiquem. talvez sirvam para algum biógrafo eh, eh, eh, eh, eh!
pois bem, numa das lojas do térreo, estava instalada a Livraria Sulina, uma das grandes da época e ponto de venda do Érico. o proprietário, seu Lory, que certa vez encontrou-me, com o grande escritor, conversando no all do edifício, sugeria, quando lhe perguntava "o que devo ler de bom?" nem tudo que li, é claro; bom? o que é isso? quanta ingenuidade! comprei poucos. não tinha grana. emprestava-me com a recomendação de não marcá-los. nunca devolvia. continuava "emprestando". aquela conversa flagrada, com o Érico, era o meu aval sem que eu soubesse.

anos depois, reli alguns. o entendimento foi outro. fruto da observação. da vivência. então, de que valeu a leitura? para compreender o pensamento do autor tive que viver! que se foda então. o autor é claro.


numa dessas idas à sacada para umas “baforadas”, notei uma mulher na janela de um apartamento no edifício em frente, o Yucatan, olhando-me. contei os andares. oitavo.
eu a olhava. ela à mim. sorriu. sorri.

no dia seguinte, a mesma cena. só que, enquanto eu enrolava um baseado, encostado na porta que se abria para a sacada, ela recuou para o centro da sala e começou a despir-se até ficar completamente nua. uma nuvem cúmplice deixou de encobrir o sol.
olha para mim, sorri e dá umas voltas em torno de si mesma, como bailarina de caixa de música. na pele, extremamente branca, o morro de vênus sobressaía.
não sabia o que pensar diante do inusitado. mas gostei. sentia algo mexendo-se em mim.
repetiu. nesse dia e nos seguintes.
lia menos e fumava mais. mais sacada. perdi a conta das punhetas.
também não sei se contava.

não entendia o meu interesse por uma velha que deveria ter uns setenta anos, murcha, decrépita e tudo mais que cabe a um velho, imaginava. não entendia, mas havia. provavelmente a expectativa de uma trepada, o que naqueles tempos era coisa rara fora dos prostíbulos.
certo dia, enchi-me de coragem e, mímicamente, fiz um sinal de que iria até o seu apartamento. aquiesceu de pronto. enquanto aguardava o elevador, no seu prédio, tive uma ereção espontânea.

recebeu-me de quimono verde com grandes flores bordadas, muito coloridas.
o perfume que exalava de seu corpo e o cheiro de café recém passado tomavam conta da sala que segurava nas paredes algumas telas, me inquietaram. algo se movia dentro de mim, indelével, de maneira suave absorvia o impacto do ambiente, confortavelmente, na minha ignorância.
sorriso simpático. olhos azuis. à mim, pareceu, que ali eram as nascentes dos oceanos. guardava traços bonitos no rosto, apesar das gelhas profundas. o coração acelerado. o pau, duro. como uma rocha; disfarçava, segurando-o com a mão esquerda pelo bolso da calça. senti alguma umidade.

"sente-se" disse oferecendo o sofá "você é prisioneiro naquele quarto?" perguntou sorrindo "não" respondi como se estivesse com a boca cheia de areia.
o planeta sumiu e eu não sabia onde estava!
com voz serena, indagando à meu respeito e abordando temas que pudessem me interessar, ela conduziu com traquilidade aquele instante. serviu café. sabia que estava tenso.
alisou-me o rosto. esse gesto foi uma merda. deixou-me menor do que estava me sentindo. não era sua intenção, hoje eu sei. mas fiquei puto!
em meia hora dávamos gargalhadas. tirei a mão do bolso. já não era necessário ele amolecera. "que mulher maravilhosa" repetia meu pensamento. este encontro durou entorno de duas horas.
levou-me até a porta segurando minha mão e depositou, suavemente, um beijo em meu rosto ( descrição de mau gosto, segundo um critico de merda), mas esse beijo foi o pingo de prata, em meus olhos de recém nascido!

nunca mais se despiu no centro da sala.

novos encontros. muitos. ela alfabetizava minha alma.
entre tantos autores, que havia lido, entusiasmava-se com Sartre e Simone. alcançamos muitas madrugadas discutindo sobre suas obras, as quais passei a ler por sua influência.
eu crescia. quer dizer, dava os primeiros passos em direção à compreensão da miséria humana. não é isso? pense melhor.

deixava ler suas poesias; ria muito quando dizia "não entendi".

nunca explicava.

algumas vezes, passeávamos por horas no Parque da Redenção, conversando sobre os mais variados assuntos. filosofia e arte eram seus preferidos. eu não era, nem de longe, o interlocutor ideal. ela sabia disso. investia. minhas primeiras babas críticas, sobre a humanidade, começaram a escorrer.

nessas ocasiões, vez por outra, tinha que colocar a mão no bolso esquerdo.

assim foi, por quase dois anos. sexo? de nenhum tipo. jamais, sequer, insinuou que desejava foder comigo. também não perguntei porque havia dançado nua para mim.
aquele momento, tornara-se parte da apresentação.

foi num verão, em certa manhã, as janelas do seu apartamento permaneceram fechadas. por muitos anos mais, morei naquele endereço e fumei alguns baseados com o olhar fixo na janela da sala... permaneceram fechadas.

nunca mais a vi.

confesso, que algumas vezes chorei quando olhava o oitavo andar do Yucatan.
saudades Helga.

11 comentários:

VERBERANTE POESIA disse...

Belíssima crônica, meu caro JB Vidal. Despregada de artificialismo academicistas que os frescos e obtusos críticos querem - ainda hoje - impingir a uma forma lírico-pessoal - e só pessoal - de escrever. Vá em frente.
Bem sejas.

Anônimo disse...

Vc eh um vociferador nato.
Seu texto eh para mim de uma sensualidade que promete mas nao revela, epidermica e bordejando o sexo pelo sexo. Um mundo de sensa&oes. Uma carnalidade quase que repugnante, se nao fosse a velhinha..... Os reflexos sexuais nao conscientes, a liberdade de nao se governar como sujeito da sociedade,a volupia do oitavo andar abaixo da intelectualidade.
Tive que lavar meu cerebro com sabao neutro depois que li seu texto. lembrei de outro que vc escreveu sobre a garota q subiu na arvore, bahhhhhhhhhhhhhhh.
Bjs

Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Equipe palavreiros da hora disse...

Os comentários retirados eram duplicados da minha queridíssima amiga Joanna Andrade.

Poti disse...

Cara, confesso que estou surpreso e até mesmo confuso. Mas gostei, forte, cheio de alusões intrigantes, talvez pra minha pessoa. Hehehehehhe.
Abraço

Anônimo disse...

JB

do menino-proeza (que observava a menina-moça subir na árvore-natureza)

ao moço-menino (que erigiu sua curiosidade ao oitavo andar da decrepitude=sabedoria)em orgásmico aprendizado

ao poeta-crueza (dahora)percebo a mesma busca de si, sem "dó", sem "lá", em constante "solo".

Amei

Anônimo disse...

Que crônica fantástica, ou sou muito burra ou só tenho lido porcaria.

Helena

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkk

Anônimo disse...

Bravo! Bravo!!
Fantástico conto..
Umas das poucos letuiras que me prende.. e me faz a devorar a ler ..em minutos
Raquel

Anônimo disse...

Por que nao:)