Há poucos dias assisti um trecho da entrevista do Mano Brown no programa Roda Viva. Nem questionei o fato dele estar num programa que só manda ao ar entrevistas com grandes personalidades, e também não assisti na íntegra, mas como se para confirmar os meus pontos de vista anteriores vi e ouvi uma pequena amostra da “filosofia” dos mano. Um escritor chamado Paulo Lins, fez uma pergunta mais ou menos assim: “Como você consegue dizer para os meninos das periferias pobres para eles serem honestos diante da cena atual onde os políticos roubam, os empresários roubam, a roubalheira atinge o futebol e por aí? O Mano Brown não entendeu a pergunta e começou um discurso acusatório defendendo a “honestidade” dos que delinqüem. Ele disse mais ou menos isso: Eles (provavelmente se referindo aos que a sociedade chama de marginais) são honestos com seus companheiros, com seus familiares, com os mano que estão no sistema prisional...” Aí voltou a sua metralhadora para a “sociedade” dizendo que “a sociedade é que é a criminosa, desonesta etc”. Nesse exato momento me veio a mente uma cena que presenciei há uma semana no centro da cidade do Rio de Janeiro, mais exatamente no cruzamento da Rio Branco com Rua do Ouvidor. O sinal abre e centenas de pessoas passam umas pelas outras apressadas, afinal era hora do almoço. O espaço da faixa de pedestres fica tomado por aquele mar de gente. Pensei, essa é a sociedade: gerentes, secretárias, diretores, office boys, auxiliares administrativos, desempregados saindo de uma entrevista de trabalho. Gente que luta e trabalha todo dia no Rio e em todo o Brasil. Essa é a sociedade criminosa e desonesta? Não? Há então existem outras sociedades? Claro. Como diz Erich Fromm não existe sociedade e sim sociedades.
Quando ouço esse tipo de bobagem pobremente ideologizada fico pensando: imagine se esse discurso sectário e mistificador fosse ouvido por todos que moram em periferias, favelas, pobres e às vezes até miseráveis? Os milhões de seres que estão nessa condição, mas optaram por lutar dentro do sistema trabalhando duro, e honestamente largariam suas pastinhas, suas ferramentas, e correriam para procurar uma arma? Imaginem se o Lula tivesse ouvido essa convocação para combater a “sociedade” corrupta e partisse para o crime ainda no pau de arara que o trouxe para São Paulo? Hoje ele não seria o presidente e sim chefe de uma quadrilha (certamente não estaria vivo). Isso me lembra demais o discurso idealista do bon sauvage, do século XIX , que levantava a bola dos índios do Novo Mundo em contraste com a sociedade européia viciada e corrupta. Hoje sabemos que isso não passava de uma grande bobagem. Os selvagens foram eles mesmos responsáveis por uma imensa degradação ambiental, da extinção de espécies e de guerras fratricidas das mais cruéis que se têm notícia. Vivo repetindo: a ideologia quando é o único combustível do indivíduo e é deformadora das realidades. A ideologia não é racional por mais que se esforce para se apresentar como tal.
Há políticos corruptos claro que há. Mas qual a porcentagem de políticos em relação à população? Há policiais corruptos? Claro que há, mas se toda a polícia fosse corrupta as cadeias não estariam lotadas de bandidos, quem os colocou lá, o mano Brown, o Paulo Lins, você, eu? Sei que precisamos da generalização para poder lidar com a realidade, mas quando usamos a generalização para criar ou reinventar a realidade aí é pura e simples mistificação, em suma picaretagem ideológica barata.
Convivo com um mega empresário que veio de um meio pobre e de um país mais pobre ainda que o nosso. Até uns dezoito anos atrás era garçon. Hoje fatura setecentos milhões por ano, emprega (de carteira assinada) 14 mil funcionários, trabalha até quinze horas por dia e já recusou várias propostas para vender a empresa. Ao contrário ele sempre me diz: “quero crescer mais, contratar mais gente e ir para o exterior levar o know how brasileiro para lá.” Imaginem se esse menino pobre ouvisse o discurso do mano e do escritor supracitado de desalento e revolta. Esse papo aranha quer turbinar uma guerra civil que não pode ter vencedores nunca e jogar culpa sobre a sociedade que trabalha e que busca sobreviver e prosperar honestamente. Não vivemos no melhor dos mundos, mas mentir, falsificar a realidade para incitar ao crime e a revolta vai piorá-lo muito, mas muito mais.
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
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