As Renanárias
Por João Batista do Lago*
Marco Túlio Cícero é considerado uma das mais expressivas personagens da Roma antiga. Sua práxis política, por exemplo, continua (ainda) hoje despertando grande interesse de estudiosos, pesquisadores, historiadores, filósofos e politicólogos, devido ao seu estilo retórico contundente e perspicaz, que fora reconhecido até mesmo por desafetos como César: “Se muitos procuraram usar o próprio estudo e a própria experiência para poder exprimir com clareza o próprio pensamento, dessa possibilidade tu foste o precursor e descobridor, de modo que devemos reconhecer em ti o benemérito do nome e da honra do povo romano”. Outro que falara sobre Cícero, fora Quintiano, no décimo livro da sua Institutio oratória: “Justamente os homens do seu tempo disseram que ele era um tribuno; perante os pósteros o seu nome passou não como o de um homem, mas até como o da eloqüência: por isso devemos ter os olhos voltados para ele e propô-lo como exemplo; por isso aquele a quem Cícero agradar muito, saiba que isso bastará para fazê-lo progredir”.
Pois bem, é dessa personagem que lhes quero falar neste artigo. Mas não só isso: quero fazer uma certa ligação entre a sua época como Senador romano e o Senado do Brasil dos dias atuais, pois, por mais paradoxal que pareça, encontro similaridades. Similaridades que se comprazem na corrupção, no corruptível e no corruptor. E parto de uma única hipótese para sustentar este meu tirocínio: que discurso faria Cícero, hoje, se fosse Senador do Brasil. Vale lembrar que ele foi (63 a.C.) um dos maiores defensores da República e o mais contundente adversário do senador Catilina, talvez o maior corrupto da senatoria romana que, inclusive, queria tomar à força o Poder. Os discursos feitos contra Catilina originaram uma das obras clássicas ciceroneanas: As Catilinárias, um conjunto de quatro discursos e que foi usado durante muito tempo como uma das principais formas de ensino de argumentação.
Cícero era um homem que pagava as suas dívidas, quando ninguém as pagava ou, para pagá-las, pedia o governo de uma província qualquer (aliada), onde com odiosos e injustos impostos, oprimindo os habitantes, podia tirar os meios para pagar as excessivas despesas pessoais. Quanta ironia! Quanta coincidência com o Brasil! Lá, As Catilinárias! Aqui, As Renanárias! Ironia e coincidência!
No primeiro discurso, em que Cícero censurara a vergonhosa audácia de Catilina, inferira: “Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quamdiu etiam furor iste tuus nos eludet? Quem ad finem sese effrenata iactabit audácia? Nihilne te nocturnum praesidium Palatii, nihil urbis vigiliae, nihil Timor populi, ninhil concursus bonorum omnium, nihil hicmunitissimus habendi senatus locus, nihil horum ora vultusque moverunt? Patere tua consilianon sentis? Constrictam iam omnium horum scientia teneri coniurationem tuam non vides? Quid proxima, quid superiore nocte egeris, ubi fueris, quos convocaveris, quid consilii ceperis, quem nostrum ignorare arbitraris?”
Possivelmente, se fosse Senador do Brasil, nos dias atuais, Cícero deblateria da tribuna: “Até quando, enfim, ó Renan, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda esse teu rancor nos enganará? Até que ponto a (tua) audácia desenfreada se gabará? Porventura nem (nada) a gentil-alma do povo brasilino, nem as reservas de moralidade da cidade, nem o temor ao povo, nem o concurso de todos os bons (cidadãos), nem este lugar fortificadíssimo de o Senado se reunir, nem o aspecto e o semblante destes te moveram? Não percebes que os teus planos estão patentes? Não vês que a tua conjuração já é tida como presa pelo conhecimento de todos estes? Julgas que alguém de nós ignora que fizeste na última noite, que (fizeste) na (noite) anterior, onde estiveste, a quem convocaste, que deliberação tomaste?”
E Cícero também aconselharia: “Com efeito, que há Renan, que esperes ainda mais, se nem a noite pode ocultar nas (suas) trrevas as (tuas) reuniões criminosas, nem a casa particular conter nas (suas) paredes as vozes da tua conjuração? Se todas as coisas se esclarecem, se (todas) manifestam? Muda já essa intenção, acredita em mim; esquece-te da traição e das falcatruas: estás preso por todos os lados; todos os teus planos são para nós mais claros do que a luz, (fatos) que é lícito já (que) reconheças comigo”.
E depois de muito falar, Cícero, provavelmente discursaria: “Quae cum ita sint, Renan, perge quo coepisti: egredere aliquando ex urbe; patente portae; proficiscere”. Ou seja: “E como estas coisas são assim, Renan, continua por onde começaste: sai enfim, da cidade; as portas estão abertas; parte”. E finalmente sacramentaria: “Leva também contigo todos os teus; senão, o maior número possível; limpa a cidade”.Mas Marco Túlio Cícero fora apenas um Senador de Roma
* Poeta, escritor, teatrólogo, publicista, epistemólogo e pensador empiricista.
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