Mar afora, mar adentro
lá vai singrando um veleiro
quem dera ser passageiro
pra correr nas mãos do vento.
Mar adentro, mar afora
como navega ligeiro
cruzando este golfo inteiro
nas cores vivas da aurora..
Onde vais assim tão cedo
rumo à ilha do Arvoredo
levando meu coração...?
Vou navegando contigo
meus olhos te seguem, amigo
perdidos na imensidão.
Baia de Zimbros, janeiro de 2005
do livro CANTARES editado pela Escrituras.
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VIAJANDO NO VELEIRO DE MANOEL DE ANDRADE
© De João Batista do Lago *
A saudade é um sentimento que soi ocorre à língua portuguesa tentar expressá-la concretamente, realmente.
Nenhum outro idioma consegue, como o português, aproximar-se desse fenômeno que invade a alma humana e que, por mais que nos expressemos, seja por que forma ou género for, sempre faltará “algo” que jamais conseguirá ser dito a respeito desse “sujeito” que é gerado abstrativamente no mais íntimo de cada um.
A saudade é um substantivo feminino abstrato.
Isso, de per se, revela o grau das dificuldades que temos em “tra-duzir”, ou seja, transportar o sentimento para a palavra (fala = língua) falada, escrita ou ideografada, exatamente porque esse sentimento é sempre uma abstração, ou é sempre fruto do abstrato existencial do ser.
Agora, quem dentre os mortais que falam o idioma português mais se aproxima de expressar, concretamente, esse fenómeno?
Ouso responder:
- O Artista. Sim, os artistas são em-si, de-si, para-si e para além-de-si o ser e o tempo, que há um só tempo sugerem a cri-ação da transferência do sentimento para o campo real, isto é, para realidade temporal, pois são os senhores dos sentimentos e das sensações.
Agora, quem dentre os mortais artistas que falam o idioma protuguês são capazes de, ainda mais, se aproximarem da concreção desse sentimento, dessa sensação:
Ouso responder:
- Os Poetas. Estes pintam quadros imaginários de todos os tamanhos, de todas as cores, de todos os graus, de todas as dimensões, de todas as gradações, com todos os amores ou com todos os horrores possíveis e impossíveis à capacidade de observação do indivíduo. E mais: em todo Ser; em todo Espaço.
* * * * *
Este micro comentário introdutório me foi exigido a partir de uma tipologia de auto-analítica do conhecimento para poder falar sobre “uma” (enfatizo uma porque há muitas outras de igual beleza estético-conteudística) poesia (poesia e não tão-somente Soneto) de um poeta que o conheci recentemente: Manoel de Andrade, que estreou recentemente um livro de poesias editado pela editora Escritura, e que já aparece na lista dos 100 mais vendidos.
Esta é a poesia:
VELEIRO
Mar afora, mar adentro
lá vai singrando um veleiro
quem dera ser passageiro
pra correr nas mãos do vento.
Mar adentro, mar afora
como navega ligeiro
cruzando este golfo inteiro
nas cores vivas da aurora.
Onde vais assim tão cedo
rumo à Ilha do Arvoredo
levando meu coração…?
Vou navegando contigo
meus olhos te seguem, amigo,
perdidos na imensidão.
__________
Baia de Zimbros, janeiro de 2005.
Do livro CANTARES, editado pela Escritura.
À primeira vista, ou seja, à primeira leitura somos tomados por um sentimento de jovialidade. Explico: se não lemos esta poesia com os olhos de ver e com a consciência do entendimento, com um certo grau de conhecimento ontológico, podemos tê-la e vê-la como uma poesia principiante, e de principiante. Ledo engano! E quão maravilhoso engano percebe-se quando a lemos uma, duas, três… vezes. “Veleiro” é dessas poesias que nos chegam ao íntimo sem a marca do tempo cronológico, sem o emblema de um espaço pré-definido ou definido, além do Tempo e do Espaço que são-de-si essentes. “Veleiro” é atemporal! E aqui reside, desde sempre, o “segredo” desta poesia: é um Universal! E que Universal é este?: a Alma! E que alma é esta?: a Saudade!
Cada palavra-contexto desta poesia é produzida de saudade com a alma da saudade: passageiro singrando um mar externo e externo de sentimentos e sensações.
Ensina-nos o “velho” Hegel que a Alma sensitiva tem três estágios: (1) a alma senciente em sua IMEDIATIDADE – (quem dera ser passageiro) -, ou vida de sentimento, uma vaga consciência da condição corpórea, associada principalmente à vida intra-uterina; (2) o sentimento de si – (cruzando este golfo inteiro) -, uma vaga consciência de si como indivíduo em contraste com, mas não absorvido em, seus sentimentos particulares: egoísmo, por exemplo, o que é diferente de autoconsciência reflexiva; (3) o hábito, no qual, por constante repetição, sensações e sentimentos tornam-se familiares e, portanto, menos salientes – (levando meu coração… meus olhos te seguem, amigo). Ter hábito é distanciar-se, melhor dizendo, libertar-se dos sentimentos e das sensações. Ou seja: “Veleiro” é o sentimento e a sensação interiorizados e externalizados, mas desprendidos do Eu, o que em essência gera a “alma real”, noutras palavras: a consciência do si, de-si e no em-si.
Enfim, “Veleiro”, aos meus olhos, é um eterno vir a ser num “mar adentro/ mar afora” do “sujeito abstrato” que pretende ser-si “sujeito real” num eterno (= temporalidade) vir-a-ser a idéia essente, ou seja, o sujeito real capaz de tran(s)-duzir-si em consciência plena.
“lá vai sangrando um veleiro” indica, pois, aos meus olhos, um corpo de pensamentos que impulsionam à Verdade; o “golfo” é a porta de passagem para o conhecimento dessa verdade, ou seja: “rumo à Ilha do Arvoredo/ levando meu coração…”; “mar afora, mar adentro”, a teimosia, ou seja, as dúvidas dessa travessia para o conhecimento.
É assim, pois, que vejo esta poesia de Manoel de Andrade. Contudo, sugiro que adquiram o livro CANTARES, onde vocês, caros leitores, vão-se deliciar com a poética desse autor que me orgulha havê-lo conhecido.
Hasta la vista!!!
__________
* João Batista do Lago é jornalista, poeta, escritor, ensaísta e pesquisador. É maranhense, mas reside em Curitiba há anos.
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