quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

FÁBULA CONFABULADA - por josé zokner (juca)

Numa pequena aldeia chinesa vivia uma família ídem, quer dizer, também pequena. O pai, Byl Kha Leh; a mãe, Ple Tza Leh e uma filha, San, que, em japonês, quer dizer “senhor”; em espanhol, “são”; em inglês, foneticamente, é “sol” ou “filho” mas, em chinês, carregando o esse, quer dizer “Vitória”. Os pais haviam dado esse nome à filha em homenagem à vitória de quem e daquilo que eles, ideologicamente simpatizavam e defendiam.
San era uma moça muito bonita e não faltavam pretendentes para namorá-la. Dentre eles, Meh Zeh Men, um rapaz muito trabalhador e ordeiro, mas que tinha a – segundo alguns a má, segundo outros a boa – fama de conquistador.
Meh Zeh Men, depois que conheceu San, afastou-se das outras namoradas. O que a deixou bastante satisfeita. E também a seu pai, embora com uma certa reserva, já que Byl Kha Leh, na sua época, não havia sido muito diferente de Meh Zeh Men. “Conheço muito bem essa raça”, pensava Byl Kha Leh, “e com muito conhecimento de causa, ou de ‘know how’, como costumam se expressar os imperialistas americanos”.
O namoro transcorreu sem incidentes. Sentados no sofá da sala de visitas, conversando em voz baixa para que uma tia solteirona, designada como sentinela, enquanto fazia um tricô, ou crochê – isso não foi possível averiguar –, apurando os ouvidos para captar algum assunto que, eventualmente poderia ser dissonante para os padrões comportamentais daquela época. De agarramento, então, nem pensar...
O noivado ocorreu com a presença das duas famílias, durante um jantar íntimo, quando, após um breve discurso, proferido com voz firme e olhando a todos bem nos olhos, no qual Meh Zeh Men assegurava suas pretensões de proporcionar uma vida feliz para San, através dos proventos que iria ganhar, fruto do seu árduo trabalho; que gostava muito de San; que não poderia viver sem ela, enfim, disse tudo aquilo que se costuma dizer em tais ocasiões.
O casal começou a se preparar para o casamento. Inicialmente iriam viver nos fundos da casa do pai de Meh Zeh Men. Uma meia água de duas peças. Posteriormente, comprariam um terreninho para construir seu próprio ranchinho. E assim por diante que o leitor já está cansado de ouvir falar nesse tipo de ascensão social. O quarto de casal se constituía numa cama e um guarda-roupa, doado pelos pais de San. Cada vez que o casal entrava no quarto ou, mais liberado da fiscalização da tia, se encontrava a sós, Meh Zeh Men roubava um beijo de sua noiva e começava a se alvorotar o que San repudiava com muita graça e recato. “Mas a gente vai casar mesmo, por que não, agora ?”, argumentava Meh Zeh Men, parecendo ter l00l mãos ao procurar alisar o corpo de San.
“Só depois de casarmos. Você sabe que eu não abro mão, pé ou seja lá o que seja das minhas convicções”, contestava San. E quanto mais estavam juntos, maior era o assédio. Diretamente proporcional, portanto, o que, convenhamos, que, nesse momento ou nessa altura do relato, absolutamente não vem ao caso. San, que não era de ferro e que sentia abalada suas já parcas resistências, foi se aconselhar com sua mãe, Ple Tza Leh, para saber como tinha sido no seu tempo. Ple Tza Leh, que não havia resistido aos assédios de Byl Kha Leh, mentiu para a filha que só depois de unidos pelos laços do matrimônio indissolúvel, etc. etc.
A noite, Ple Tza Leh, deitada ao lado de Byl Kha Leh, comentou com o marido o diálogo que havia tido com a filha. Este, como se costuma dizer no Ocidente, ficou uma arara, uma fera, possesso, pê da vida: “Onde já se viu ? Onde é que estamos ? O que é que esse Don Juan de meia tigela está pensando ?, etc. etc. E tamanha foi a indignação que se levantou da cama e foi recapitular as artes marciais que havia aprendido na sua juventude. Na manhã seguinte, conhecendo o caminho que Meh Zeh Men fazia para ir ao serviço, esperou-o atrás de uma esquina e quando o rapaz passou deu-lhe um pito, mas estava preparado para uns safanões, se necessário fosse. Mais que isso não, porque, afinal de contas o rapaz teria que estar em forma para o casamento que estava próximo. Meh Zeh Men, que havia aprendido com seu pai que, por sua vez, havia aprendido com o dele, que se deve respeitar os mais velhos, o que é muito seguido na China, ao contrário dos países do decadente Ocidente, não reagiu. E a coisa ficou por isso, quer dizer, na base do “deixa pra lá”. Veio o casamento e os dois viveram felizes, que se saiba pelo menos nos primeiros anos. Atualmente, somos obrigados a confessar que não sabemos.
Moral: Nunca se deve cantar a Vitória antes do tempo.

Um comentário:

Sizenando disse...

desculpem não comentar o texto por enquanto...
pesquisando na internet outra coisa, acabou aparecendo o nome do claudio cambé... agora com k.
só pode ser o mesmo que conheci, ilustrando o Folhetim da Folha de S.Paulo no século passado.

seria possivel me orientarem pra eu entrar em contato com ele?

agradeceria muito, sempre apreciei o trabalho do kambé e esta é a primeira vez que reencontro trabalhos dele - tempos atra´s já havia pesquisado sem sucesso.

grato, sizenando alves silveira